quinta-feira, 18 de julho de 2013

A mulher que nunca foi moça





Assim como há criança sem infância, há adolescentes sem mocidade.

 
      Rita nunca foi moça. Nunca. Passou de criança à mulher rapidinho. Assim. Num piscar de olhos. Sem ter tempo de viver mocidade. Se teve coisa de moça. Isso de brincar com amigas. Isso de se arrumar com tempo. Isso de ir a festinhas. Isso de paquerar os rapazes. Foi uma vez. No máximo. Coisa rápida. Tão rápida que Rita nem se lembra. Rita virou mulher numa quarta-feira. Disso Rita tem certeza. Porque há coisas que não se podem esquecer. Por mais que se queira. Por mais que se tente fazer de conta que ela nunca aconteceu. Rita virou mulher quando era menina ainda. Virou mulher de sopetão. Sem sequer imaginar o que ser mulher significava. Rita virou mulher em um terreno baldio. Que ficava a caminho da venda onde sempre ia. Alegre e despreocupada. Menina inocente em sua pouca idade. Comprar doce sempre que podia. Ou comida. Quando sua mãe pedia. Rita virou mulher ali. No mato. A caminho de sua felicidade infantil. De comer um chocolate bem gostoso. Paçoca. Maria-mole. Doce de leite. Rita foi tirada a força de seu sonho bom de menina. E levada para um pesadelo. Por mãos que fortes que arrastavam. Seu corpo franzino. Rita virou mulher antes do tempo. Sem ainda ter amadurecido. Virou mulher com briga. Com choro. Com grito. Com revolta de quem se sente lesada. Desrespeitada. Roubada. Por mais que não entendesse exatamente o que lhe tiravam. Rita virou mulher com medo. Rita virou mulher com dor e sangue. Muito sangue. Sangue de lavar a terra. Terra onde um dia antes brincara de pega-pega. Esconde-esconde. Amarelinha. Agora. Ali. Naquele momento. Naquele terreno. O tempo de brincar. O tempo de sonhar de Rita. Acabara. Porque aquele homem. Ao mesmo tempo que lhe roubava. Algo também lhe deixava. E nove meses depois Rita virou mãe. E Rita que quase não ninara boneca. Rita que quase não trocara fraldinha. Rita que quase não dara mamadeira. Tinha agora que fazer tudo aquilo de verdade. Como mãe de verdade. De um bebê de verdade. Rita não teve tempo para estudar. Rita nunca teve tempo para passear. Rita nem ao menos teve tempo para ser Rita. Porque Rita sempre teve que trabalhar. Rita sempre teve mais contas que dinheiro para pagar. Rita nunca teve quem a ajudasse. Até que Rita se casou. Com um homem mais velho. Severo. Por pura necessidade de Rita. De alguém para lhe ajudar com as despesas. Sustento seu e do filho. Rita ficou velha cedo. Na idade que mulheres de melhor sorte. Ainda eram moças. Ainda tinham viço. Ainda tinham desejos. Ainda tinham esperança. Rita vivia de cabelo preso. Roupa fechada. Cara amarrada. Coração duro. Coisa boa da vida. Rita não esperava mais nada. Rita só pensava agora no futuro do filho. Que seria melhor que o seu. E quando ganharia nora. E netos. Rita com pouca idade. Trinta anos e tralala. Já fora criança. Já fora mulher. Já fora mãe. E agora era velha. Rita só nunca fora moça. A mocidade foi tirada dela. Quando era criança ainda. Em um terreno baldio. 


Kátia Pessoa – 18/07/2013