segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Última chance


      "É bom ganhar presentes, mas eles não substituem coisas como a presença da pessoa amada, ou apagam a dor de nos sentirmos abandonados ou traídos.
      Parece contraditório, mas muitas vezes nos sentimos sós, mesmo com alguém ao nosso lado, em relacionamentos estáveis como namoro ou casamento.
      Nesta situação, o ditado que diz:  "Antes só do que mal acompanhado" é um bom conselho, porque sozinhos, sem a "ilusão da companhia do outro", podemos buscar algo ou alguém nos faça realmente feliz."
       
      Ontem eu perdoei o Pedro pela última vez. Já perdi a conta de quantas vezes eu fiz isso.  
      Perdão deve ser algo com estoque limitado. Você deve ter uma cota para ser gastar em toda a sua vida. Se usar mal a sua cota, azar o seu. A cota acaba e ai não tem mais perdão para ninguém, ninguém mesmo. Nem em caso de extrema necessidade. A minha cota de perdão está quase no zero. Com certeza, ao menos noventa por cento dela gastei com Pedro. Mas um perdãozinho qualquer e ela se esgota.
      Por conta disso, eu não ando perdoando nem esbarrão na rua. Eu não sou santa, porque santa é que é mulher com obrigação de sempre dar mais uma chance. Perdoar, perdoar e perdoar. Santa é quem tem que ficar sempre de braços abertos. Escutar resignada várias vezes:
      - Nunca mais eu faço isso de novo! Me perdoa?
      Santa finge que acredita e perdoa. Ou acredita mesmo e perdoa porque é tonta. Vê só quantas vezes perdoei o traste do Pedro? E cada pedido sincero ele tinha! O cínico é um ator.
      Cada vez que perdoo Pedro meu coração seca. Agora essa carne que bate está quase morta. Falta pouco para acabar o perdão de vez. Para tudo. Para todos! O Pedro vai parar de me fazer de trouxa.
      No começo era fácil perdoar. Ele aprontava e só dizia:
      - Perdão meu amor! Perdão!
      E eu perdoava. Talvez fosse mais fácil perdoar, porque no começo era só um chegar atrasado em casa, com bafo de bebida. Vá lá: Ele estava com os amigos. Ele tinha direito, não tinha? Era duro trabalhar o dia todo no escritório, resolvendo uma coisa e outra. Ele merecia relaxar.
      Nós ficávamos muito pouco juntos. Ele chegava tarde, saia cedo, mas casamento é assim mesmo, não é? Iria piorar quando chegassem os filhos.
      Com o tempo, o atraso de Pedro vinha embalado com cheiro de perfume adocicado, e as desculpas de flores, chocolates e outros mimos. Um dia ele teve a cara de pau de dizer que a vendedora da loja de perfumes – porque ele fora escolher um para mim - para lhe demonstrar um fragrância que me agradaria, borrifou nele o tal perfume adocicado que eu sentia, e o cheiro do perfume grudou nele. Ele teve a audácia de dizer que ficou enjoado com o cheiro e decidiu não me comprar perfume nenhum, por isso viera de mãos vazias. No dia seguinte ganhei um vestido azul lindo, que não acalmou nem minha tristeza nem meu desgosto, muito menos fechou o buraco da solidão que já estava aberto no meu peito.
      Um colar de ouro branco, com um pingente de estrela e um brilhante no meio, eu ganhei no meu quarto ano de casamento, quando li por engano um e-mail do trabalho de Pedro, onde uma tal de Amanda parecia bem intima dele para uma simples relação profissional. Nesse dia ele todo carinhoso me levou para jantar fora, e ao passar por uma joalheria disse que eu merecia essa joia, por “tê-lo feito muito feliz nestes anos de casado”.   
      Ontem ele me deu um carro vermelho maravilhoso, caro. Coincidentemente o seu desejo de me presentear, começou junto com as ligações de uma tal de Lúcia aqui para casa, se dizendo sua amiga.
      Hoje Lúcia conversou comigo, e disse que esperava um filho dele. Ela seria mãe do filho que eu sempre quis ter, e ele pedia para adiar.
      Sabe de uma coisa? Vou usar o que resta de minha cota de perdão para me perdoar, porque é licito o que vou fazer. Eu peguei a arma de Pedro que estava guardado no maleiro, a carreguei, e estou esperando ele chegar para conversamos sobre essa tal Lúcia.
      E agora, o que será que ele vai me dar? A sua vida?

Kátia Pessoa – 14/02/2011
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário