sábado, 19 de fevereiro de 2011

O preço da vida


      "Aborto no Brasil é uma questão muito polêmica.
      Sendo considerado crime, a mulher que o comete por conta própria pode ser presa. O aborto só é legal em condições especiais como estupro, risco de vida da mãe, feto com morte encefálica, etc. Mesmo nestes casos onde o aborto é permitido por lei, podendo ser feito em rede pública de saúde, as mulheres passam por grande dificuldade para por fim a uma gestação indesejada.  
      Agora uma coisa é certa: sendo permitido por lei ou não, um grande número de mulheres fazem abortos no Brasil, só que quem tem dinheiro pode fazer um aborto seguro em uma clinica boa e cara, e quem não tem recorre a métodos que mutilam e matam muitas mulheres.
      Aborto é proibido para mulheres ricas e pobres, mas só as pobres morrem." 

      Drª Valéria, 27 anos, advogada, casada com um engenheiro e mãe de dois filhos, com a menstruação atrasada e enjoada, preocupada com possível gravidez, marca uma hora com o clinico geral, pagando duzentos reais na consulta.
      Valéria, 27 anos, doméstica desempregada, casada com um repositor de mercadorias e mãe de dois filhos, com a menstruação atrasada e enjoada, preocupada com possível gravidez, chega às cinco e trinta da manhã no posto de saúde, para tentar encaixe em uma consulta com o clinico geral.
      Drª Valéria em uma sala confortável e bem decorada, com chá, café, bolacha e água fresca a disposição, por poucos minutos espera a consulta com o médico.
      Valéria com sede e fome, só consegue passar na consulta às treze horas – sete horas e meia depois. Esperou para falar com o médico em pé, em um corredor lotado.
      Elas tiraram sangue e voltaram poucos dias depois, para saber o resultado.
       Drª Valéria, 27 anos, advogada, casada com um engenheiro e mãe de dois filhos, descobre que está grávida e fica apavorada. Não quer a criança. Não pode ter outro filho agora.       
      Valéria, 27 anos, doméstica desempregada, casada com um repositor de mercadorias e mãe de dois filhos, descobre que está grávida e fica apavorada. Não quer a criança. Não pode ter outro filho agora.
      Drª Valéria transtornada, nem fala ao marido do novo filho. Conversando com uma amiga, ela lhe conta de uma clinica de aborto clandestino barata, só cinco mil reais.  
      Valéria transtornada, nem fala ao marido do novo filho. Conversando com uma amiga, ela lhe conta de uma senhora que faz aborto clandestino em casa, cobrava caro, duzentos reais.  
      Drª Valéria tirou os cinco mil reais da poupança. Se o marido percebesse, diria que viu uma joia muito, muito bonita, que ela precisava ter.
      Valéria conseguiu os duzentos reais fazendo quatro faxinas. Se o marido percebesse, diria que era dinheiro para comprar mais comida, pois a despensa estava vazia.
      Drª Valéria marcou o dia do aborto e pagou os cinco mil reais. Em um ambiente higienizado, com uma equipe médica competente, tirou o feto por curetagem, usando modernos aparelhos.
      Valéria marcou o dia do aborto e pagou os duzentos reais. Em um cômodo sujo, com uma senhora de experiência duvidosa, tirou o feto por curetagem, usando uma colher de sobremesa.
      Drª Valéria foi para casa com leve cólica, com leve sangramento, com leve febre, mas estava bem.
      Valéria foi para casa com muitas dores, intenso sangramento, ardendo de febre, nada bem.
      Drª Valéria, que em sete dias estava ótima, foi até o shopping comprar roupas novas.
      Valéria, que teve infecção generalizada e em sete dias estava morta, foi enterra com suas roupas velhas.
                                Kátia Pessoa – 19/02/2011


Nenhum comentário:

Postar um comentário