sábado, 25 de dezembro de 2010

Lapso

  



     
      "É difícil aceitar o fim de uma união.”
     

      Estava escrito que ficaríamos juntos. Em algum lugar estava escrito. Até o fim de nossas vidas. Eu sei. Eu sinto em meu coração.

      Eu gostei dela desde a primeira vez que a vi, ainda pequenininho, lá no colégio onde estudávamos. Ela estava com as amigas. Era bem mais alta do que eu. Ela é mais velha, sabe? Dois anos. 

      Eu sempre fui apaixonado por ela e sempre a observei, seguindo ela com os olhos pelos corredores da escola. Eu a vi com alguns rapazes. Ela teve muitos namorados... Mas eu sabia que minha vez chegaria, e aqueles garotos panacas ficariam para trás, esquecidos, sem importância. 

      Ela sempre foi a mulher de minha vida, sabe? A única. Foi com ela o meu primeiro beijo. A minha primeira transa.

      Sei que só ficou comigo porque estava grávida. Aquele calhorda do Eduardo não quis assumir o filho que fez nela! Eu a encontrei chorando, desesperada em um canto do jardim da escola. Sozinha, pois as amigas nessa hora sumiram. Não foram solidárias. Tinham medo da família, de ficarem mal faladas como ela estava. As pessoas do bairro não falavam boas coisas dela, sabe? Diziam que era perdida, não prestava... Mas era mentira, mentira! Tudo intriga de gente invejosa, que não era tão bela como ela. Tão alegre. Dada. 

      Essa foi a primeira vez que conversamos, apesar de termos crescidos juntos. Morarmos na mesma rua. Frequentarmos a mesma escola. 

      Eu a consolei e falei de meu amor. Disse que assumiria o filho dela. Daria meu nome e sustentaria. Ela primeiro não acreditou. Não pôs fé em mim, menino estranho e mais novo. Eu não desisti e por muitos dias insisti. Ela acuada e sem escolha, com os pais todo dia brigando, a barriga crescendo, as pessoas comentando, acabou me aceitando. 

      Eu sei que no começo não foi amor que a uniu a mim. Foi necessidade. Mas depois ela me amou. Me amou de verdade. Eu vi. Você viu. Todo mundo viu. E ela ainda me ama sim! Por isso que digo que ela não me deixou. Que ela não foi embora pra sempre, como os outros dizem. As pessoas falam demais. Falam do que não sabem. Elas não conhecem o coração dela. Laura tem um coração de ouro.

      Ela só precisa de um tempo. Foi o que ela disse, me pediu. Apenas um tempo para pensar. Ela está meio tonta, zonza, sabe? Depois de tantos anos de casada, ela só queria ficar um pouco sozinha. É tanta preocupação na cabeça dela, eu sei. Os meninos estão crescendo, criando asas, e ela fica meio desorientada. Não sabe a sua função no casamento.

      Ela foi embora sem os filhos. Imagina Laura sem os filhos? Nenhuma mãe abandona os filhos, sabe? Muito menos ela. Para mãe filho nunca é tão grande que dispense a ajuda dela. E nunca é não velho que se vire sozinho. Não vê a minha? Ainda tão zelosa comigo? Vem aqui cuidar da casa, dos meninos?

      Ela diz que está em dúvida se me ama. Que besteira. É lógico que ela me ama. Mas ela achou que precisava sair de casa, esfriar a cabeça, para melhor avaliar. Mas foi apenas um lapso que deu nela. Um branco no coração, que a fez duvidar que sou eu o homem de sua vida. Eternamente seu companheiro. O homem que sempre a amou e sempre amará. Sempre estará ao lado dela quando ela precisar.

      Um tempo. Ela tá dando um tempo. Eu sei. É assim que os jovens falam. Quando querem se afastar para logo voltar. Quando a quebra do relacionamento ainda não é definitiva, porque é esse o nosso caso. Laura está sofrendo um lapso de memória. Precisa tomar uma fresca, respirar outros ares, por isso trocou de casa, mudou de cidade.

      Logo, logo ela cai em si e volta. Arrependida de ter ido embora. E a gente vai enterrar esta história no passado. Colocar uma pedra em cima. Vai ser tudo como era antes. 

      É apenas um tempo, porque eu sei que ela ainda me ama.


Kátia Pessoa – 23/12/2010



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