quinta-feira, 19 de maio de 2011

Agulha dourada






      “Mulheres pobres morrem fazendo aborto no Brasil. As ricas não, pois podem pagar boas clínicas particulares.    
  

      A agulha dourada de tricô da mãe da moça, que já se embaraçou de fio rosa, para fazer lindos casaquinhos para bebê amado, agora desembaçaria a moça, enroscando-se nas fibras vermelhas da carne de seu filho.

      Agulha dourada nas mãos da moça, é desespero. Agulha dourada entre os seus dedos, é medo de não ter futuro e alegria. Agulha dourada no ventre da moça, é agonia de virar mãe antes do tempo.

      Moça que na barriga não faz carinho, não conversa com o neném, não escolhe sexo ou nome, não se interessa por roupinha, não vai ao médico fazer exame.

      Revira a moça a agulha dourada no recanto sagrado. Agulha de olho cego, que a tudo fere, na intenção exata: feto na barriga da moça, espetado de dourado, como se fosse churrasco.

      Mas laço que une mãe e filho é tão forte, que ele que parte a leva junto. A agulha dourada na moça, espeta filho e útero. Agora jorra sangue, de forma incontrolada.

      Dourado no ventre da moça, não é sonho feliz. Dourado no ventre da moça, é morte. Do filho que não deveria ter sido gerado. Da moça que não poderia ter abortado.


Kátia Pessoa – 18/05/2010




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