quinta-feira, 19 de maio de 2011

Contando sangue


      "Há uma pressão muito grande em cima da mulher para que ela tenha filhos. Uma mulher sem filhos é uma anomalia, alguém que não cumpriu sua missão.
      Essa pressão também se dá porque diferente do homem, que pode ser pai aos oitenta e poucos anos ou mais, o tempo fértil da mulher é limitado.
      Uma gravidez se torna de risco depois dos trinta anos, e nessa idade seus óvulos já velhos, possuem maior chance de gerar filhos doentes.
      A menstruação que é a expulsão do óvulo não fecundado, a gravidez que não aconteceu, é algo incômodo que pode tornar esta contagem regressiva ainda mais angustiante.”


      Meu sangue vem assim melancolia, que vai se instalando de fininho, devagarzinho... Traz consigo uma vontade de recolhimento, corpo que fica lerdo, cansado, pedindo cama quentinha e um analgésico para a barriguinha.
      Meu sangue vem assim, com lágrimas que caem sem motivo. Pedido de carinho, colo para consolar algo que nem sei explicar...
      Meu sangue vem forte, aos montes. Correnteza de rio que me transforma. Deixa-me brava, de amedrontar:
      - De me olhar você me irrita! Se me desejar bom dia eu te mato! Some da minha frente que eu quero ficar sozinha!
      Meu sangue tinge meus dias de dor: cabeça, seios, costas, ventre, tudo incomoda. Enjoos, tontura e impaciência, desconforto que se explica.
      Acordo em suplício. De chata não me suporto:
      - Falta quanto tempo para tudo isso parar?
      Dias de sangue são dias de infinitas trocas. Preocupação com vazamento de sangue secreto que não pode se mostrar. Com absorventes e mais absorventes para sorver o que restou do filho que não veio.
     Mais um mês. Mais um ano.
     O meu estoque limitado de óvulos sem uso acabando... e eu envelhecendo!
                        Kátia Pessoa – 20/04/2010

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