quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A noiva

     




      "Ainda vivemos em uma sociedade machista, fruto de uma cultura que durante séculos subordinou a mulher ao homem, lhe cerceando fazer suas próprias escolhas e lhe impondo um padrão de comportamento.  
      Depois de lutarmos muito para conquistarmos nosso espaço na sociedade, e podermos fazer coisas elementares como aprender a ler, sair de casa sozinha e trabalhar, aquela "vocação natural" imposta a mulher de casar, ter marido e filhos, parece não servir hoje em dia para todas as mulheres.   
      Hoje sabemos que a vida da mulher não se resume somente a isso.”  
         
      Como a Ana pode fazer uma coisa dessa? Na frente de todo mundo? Que coisa feia, meu Deus! Que coisa feia! Que falta de consideração com os pais! Coitada da minha amiga Martinha. Criar uma filha com tanto empenho pra isso.

      O que ela fez foi uma tremenda falta de respeito. Com a família do noivo. Com os convidados. Com o Fernando então, nem se fala. Ele não sabia nem onde enfiar a cara de tanta vergonha. Que humilhação pra ele. Me deu uma pena dele. Uma pena... Vai ficar marcado pro resto da vida.

      Ana largou o coitado no altar e saiu andando, dizendo que não queria casar. Onde já se viu fazer isto? Ainda mais na idade dela, porque ela já não é mais nova não! Já passou dos trinta. E não é possível que depois de nove anos juntos, ela só tenha se dado conta de que não gostava do noivo no altar. Só lá, na frente do padre. Por que ela não desmanchou o compromisso antes? Esperar para fazer isso no altar, com a igreja lotada, cheia de gente vinda de tudo quanto é lado? Fernando não merecia isso! Não merecia!

      A gente sabe que ele não é bonito. E é mais velho que ela. Uma diferença de idade boa, mas ele é homem. E isso é até bom. Dá segurança a mulher. Eles brigavam muito, mas que casal não briga? Casal que namora é assim mesmo. Se desentende num dia, volta no outro. Depois que casam, com o compromisso de ficarem um com outro dentro da mesma casa, isso passa.

      Agora fica um monte de burburinho. Um monte de gente fazendo fofoca. Tão dizendo que ela arranjou outro. Um rapaz lá na firma dela. Bem que Fernando dizia, que depois de casada ela não trabalhava mais fora. Já tava prevendo alguma coisa, o pobre coitado.

      A Martinha me disse que ela não queria casar, e o Fernando ficou insistindo, insistindo. Fazendo marcação pesada. Marcou a data da cerimônia de surpresa. Ela só foi comunicada. E não teve nem que se preocupar com o vestido de noiva, porque a mãe dele já havia escolhido. Pensando bem, ela não me parecia muito empolgada mesmo, quando veio aqui em casa deixar o convite do casamento. Não é Francisco? Você não achou a Ana meio esquisita?

      Ela é mulher muito independente pra casar assim, à força. Eu sei. Mas porque não disse não antes, puxa vida? A família gastou uma fortuna com o aluguel do salão, buffet, cartório, igreja, roupa, cabeleireiro. Tudo isso gasta. Vai muito dinheiro. E a filmagem? Tinha até filmagem. Vixe que filmaram a hora do não, vala-me Deus!

      E os presentes? Que será que vão fazer com os presentes? Devolver? A Martinha disse que eles já haviam alugado uma casa, lá no bairro mesmo. Um quarto e sala pequeno. A Martinha falou que já haviam arrumado tudo que ganharam na casa, pra que quando voltassem da lua de mel ficassem tranquilos.

      Eu vi essa menina crescer. Sempre foi danada. Sempre fez o que quis. Se lembra quando ela saia com uns amigos esquisitos que ela tinha? Um pessoal meio estranho, parece que do teatro? Vê se teatro é coisa pra menina pobre, de periferia? É amigo assim que põe caraminhola na cabeça dos outros. Viu no que deu? Já passada e ainda solteira. Daqui a pouco nem filho mais ela pode ter. E ainda faz uma besteira dessa!

      Ela sempre quis ser mais do que podia. Martinha sempre reclamava. Dizia que não se conformava com a vida de trabalhar, ganhar pouco e voltar pra casa, que nem o resto do povo do bairro. Dizia não ter vocação para cuidar de marido e filhos. Ela falava que queria correr o mundo. Estudar. Ser doutora. Vê se pode? Doutora? Uma nascida pé descalço? Ela dizia que queria passear, ir em exposição, ópera. Só queria fazer coisa de rico! Coisa de gente que tem dinheiro!

      Quando arranjou o Fernando, a mãe levantou as mãos aos céus. Achou que ela enfim ela tinha tomado juízo. Que tinha arranjado um homem correto, trabalhador, caseiro. O Fernando frequenta até igreja! Não é um achado um homem desse? Um presente de Deus? O que mais ela queria?

      A mãe dela sempre falava que por ele, eles já estavam é casados há muito tempo. Já tinham uns três filhos. Foi ela que enrolou o coitado, deixando o casamento sempre pra adiante. Ela enrolou ele nove anos, pra acabar com um não na igreja, na frente do padre, dos convidados e da familia!

      O que essa menina espera da vida? O que espera?

      Virar madame?


Kátia Pessoa – 26/12/2010



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