segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Olhos fechados


      "O estupro é uma das piores violências contra a mulher.
      Ser subjugada pela força tendo seu corpo violado, abre feridas não só na sua carne, mas na sua alma. Feridas que às vezes não se curam, permanecendo como uma chaga purulenta durante toda a sua vida.
      Ficar grávida no meio de um ato de selvageria como este, pode bloquear em seu coração todo o amor materno, que surgiria se engravidasse em outras condições.
      Carregar um filho concebido em um momento de horror como o estupro, pode levar a mulher a reviver a dor daquele momento constantemente."

        Deus fechou os olhos para mim!

      Justo na hora em que eu mais precisei dele! Justo na hora em que eu mais clamei! Justo na hora em que mais chorei! Ele não me viu. Não me ouviu. Não mandou nenhum anjo seu em meu socorrimento.

      Logo eu, que fui uma súdita tão humilde e fiel. Logo eu, que desfiei rosários e mais rosários em novenas em seu louvor. Logo eu, que preguei o seu evangelho. Eu merecia terminar assim? Acuada no meio do mato? Com uma arma em minha cabeça? Com o filho do Demo a me violar? Fazendo comigo o que nem o ateu do meu marido, em anos de casamento, nunca se atreveu a fazer?

      Quando eu rezava Deus gostava, não gostava? Quando eu trabalhava em sua obra ele se sentia feliz, não sentia? Então, por que ele não me ajudou?

      Deus me enganou! Me iludiu! Me fez abrir meu coração para ele. Me confessar e pedir perdão em vão! E eu achando que ele era benevolente. E eu achando que ele me acolheria quando precisasse. Mas nada! Quando eu precisei dele ele faltou. Sinceramente já nem sei se Deus existe...

      Agora eu sinto tanto nojo de mim, tanto nojo... Um asco assim, que me dá vontade de vomitar. Acho suja a minha pele, as minhas entranhas... Acho sujo tudo o que em mim o filho do Demo tocou.

      Eu tomo banhos que duram horas. Esfrego o corpo todo com bucha e sabão. Esfrego, esfrego... A pele sai. O sangue. Mas a sujeira não! A sujeira ficou encrustada em mim. Grudada. Não sai nem com a água benta que trouxe da igreja, pra acalmar a minha alma. Nem com as lágrimas que chorei, depois do acontecido.

      O Diabo me escolheu para ser dele! Ele mandou seu filho usar meu corpo a força. E me por no útero um diabinho. Ele fez isso só para me mostrar que Deus não existe. Ou pior. Que existe, mas não liga para o meu sofrimento. Mas eu vou arrancar o filho do Demo! Vou arrancar! Não adianta nenhum padre falar que é pecado. Que é assassinato. Eu vou tirar essa criatura que cresce! E se a justiça do homem não me ajudar, eu a arranco sozinha! Nem que seja com as minhas próprias unhas!

      Enquanto essa coisa não sair de dentro de mim, aquela noite maldita nunca vai acabar.

Katia Pessoa – 03/09/2010



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