quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A cor de Deus






      "Há algo que paira no ar, envolvendo a criança negra opressamente.
      Ela não sabe identificar o que é, mas sabe que existe algo ali.
      Mesmo que as pessoas não vejam claramente. Mesmo que as pessoas não sintam nitidamente. Mesmo que as pessoas não falem nada.
      O que será isso?
      É uma fumaça de racismo, que diz que a cor da criança não é adequada."


      A minha irmã disse que minha cor é ruim, professora. Disse que minha cor não presta. E é sim, professora! É sim! Eu sei. Qué vê?

      Professora, minha mãe que é preta como eu cortou a barriga. Cortou a barriga porque é preta, professora. Porque preto é a cor do azar.

      Agora ela tá lá em casa doente na cama um tempão, com um buraco cheio de ponto que não sara. Ela não pode mais trabalhar, professora! E a gente fica sem coisa em casa. Fica sem coisa pra comer.

      Preto é cor ruim, professora! É cor ruim! Não dá sorte. Minha irmã falou pra mim. Ela é branca, professora. Branca porque o pai dela é branco. E ela disse que minha cor não presta, e que por isso não gosta de mim. Ela é maior que eu, professora. Ela sabe!

      Professora, eu vou ter um futuro ruim que nem minha mãe. Futuro ruim porque sou preto. Preto que nem aqueles gatos do folclore que as pessoas têm medo. E jogam pedra pra sair de perto. 

      Tá vendo professora, como preto é cor ruim? 

      Eu quero ser branco que nem você, professora. Ter cor boa. Não quero ser preto não!

      Professora, olha aqui no meu braço: aqui é branco, tá vendo? Ficou assim porque eu caí brincando e me machuquei. E quando sarou ficou assim, branquinho, ó. 

      Professora, se eu pegar uma faca e ir machucando o meu braço assim. Se eu pegar uma faca e ir raspando a pele assim. Quando sarar vai ficar branco, né? E se eu fizer isso muitas vezes eu vou ficando branco aos pouquinhos. Não vou, professora?

      Professora, Deus é preto?


Kátia Pessoa – 20/11/2010



Nenhum comentário:

Postar um comentário