quarta-feira, 30 de março de 2011

O apaixonado comedor de pêssegos


      "Há pessoas que sempre perdoam os seus parceiros, tamanho o amor que por eles sentem. Lhes dão uma, duas, três, quatro chances e por aí vai, e isso as vezes a vida toda. 
      Perdoar é algo nobre e bonito, mas será que todos os erros reincidentes podem ser perdoados?
      Cada caso é um caso, e precisam ser estudados com cuidado, senão perdoar em vez de ato nobre, se torna até mesmo uma forma de dependência do outro, que não é bom para ninguém."     
     
      Pedro sabia que Marina o abandonaria novamente. Sabia que de uma hora para outra, ela iria embora de sua vida de repente, sem aviso prévio de sua intenção. Pedro também sabia que Marina acabaria voltando novamente, como voltara outras quatro vezes: um dia a campainha tocaria e quando ele fosse olhar, estaria ela lá na frente do portão com suas malas ao lado, esperando Pedro abrir a casa mais uma vez para ela entrar.
      Marina já voltara há oito meses. Falta quanto tempo ainda, para ela sair correndo mundo afora de novo? Para deixar Pedro para traz com o coração estraçalhado outra vez, como se fosse um vaso com flores que ela jogasse no chão, e depois pisasse em cima com seu sapato plataforma vermelho?
      Para Marina não havia tempo certo para ficar ou partir. Ela podia demorar meses ou mesmo anos, ao lado de Pedro ou longe dele. A decisão ir ou voltar,  parecia ser tomada por ela sempre de sopetão, como se um dia ela acordasse e pensasse: hoje é dia de partir, ou, é hoje é dia de voltar! Pedro apesar de estar com Marina há dez anos, não conseguia saber quando isto aconteceria. Não havia sinal evidente sobre o que se passava em sua cabeça.
      Dá pena de ver o Pedro quando Marina parte. A gente percebe que sem ela o ar lhe falta. Ele fica catatônico, sem conseguir sair da cama por dias. Fica lá jogado, mofando, criando limo, sujeira, catinga, e o que mais apareça em um homem morto de alma. Um morto-vivo se arrastando no tempo que passa. Mas quando Marina retorna, é como se lhe trouxessem um balão de oxigênio, ou a luz surgisse acabando com o mofo e tudo que fica de ruim em um quarto trancado. A adrenalina bate picos no sangue de Pedro, e ele que parecia morto ganha vida.
      Pedro diz que Marina tem cheiro de pêssego. Pêssego é a fruta favorita dela. Ele conta que ela usa shampoo de pêssegos nos cabelos encaracolados, a loção que passa em sua pele também é de pêssego, e pêssego ela come o dia todo. Pedro até brinca que para saborear a fruta beija a boca dela, porque quando a beija, é esse gosto que ele sente. Pedro diz que quando está com Marina na cama, se sente em um pomar de pessegueiros, onde ele colhe a fruta e come, come, come e nunca enjoa, sempre querendo mais. Pessêgo vicia, ele brinca.  
      Marina é boa pessoa e ama Pedro de verdade. Do jeito dela, mas ama. A gente sabe, a gente vê. O seu único problema é que ela nunca fica muito tempo com ele. Sempre parte, vai embora. Até parece que ela é um passarinho e a casa de Pedro uma gaiola. Ela ama o dono que lhe paparica, cuida dela, mas precisa voar, bater asa, ir para longe para ser feliz.
      Agora que Marina voltou, o coitado do Pedro só espera o dia de sua nova partida. O dia em que ela como sempre sentará em seu colo, beijará a sua boca, olhará em seus olhos, sorrirá e depois de repente, lhe avisará que irá viajar, já de malas prontas para desaparecer no mundo novamente. Quando essa hora chegar mais um vez, de novo ela sairá pela porta sem dizer quando voltará, ou se desta vez partirá definitivamente.
      Pedro diz que sempre fica parado de boca aberta quando ela faz isso. Fica sentado, sem reação. Não consegue sequer se ajoelhar e implorar para ela ficar, e sinceramente, não acho que adiantaria. Oferecer amor e bom senso para Marina, que acha que precisa de liberdade?
      Mas Pedro decidiu que agora tudo vai ser diferente. Marina não o pegará mais desprevenido, iludido, achando que desta vez ela ficará ao lado dele. Ele jurou que nunca mais ficará chorando meses e meses sentindo falta dela, sem ao menos um consolo que lhe acalme enquanto ela não retorna.
      Como Pedro tem certeza que Marina parte mas volta, armou uma estratégia para tornar menos penoso seu período de solidão forçada, sem sua flor de pessegueiro. Para se lembrar de Marina quando ela for embora, e esperá-la voltar com sofrimento ameno, ele plantou no quintal um pé de pêssego já adulto. Uma árvore grande e frondosa, que ele poderá abraçar lembrando dela e mesmo conversar, como se fosse com ela.
      Ele também revirou todos os mercados da região, e descobriu um monte de coisas comestíveis que são feitas de pêssego, como torta, bolo, sorvete, doce, creme, gelatina e uma infinidade de coisas mais, além do pêssego assim como Marina tanto gosta, in natura, fruta madura, no ponto, como recém tirada do pé.
      Pedro já começou a estocar no armário compota de pêssegos e pêssegos em calda. Assim que Marina for embora, ele abrirá a primeira lata. Ele jura que conseguira comer pêssegos todos os dias, porque se imaginará beijando a boca de sua amada.
        Pedro pretende fazer um estoque em sua casa para bem menos de um ano, porque ele tem certeza que quando for época de pêssegos maduros no pessegueiro de seu quintal, Marina voltará correndo para colher os frutos no pé e comê-los com gula, e como sempre, fará muito amor com o homem de sua vida.
      Deus queira que desta vez Marina descubra que não precisa mais partir!        
Kátia Pessoa – 30/03/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário