quinta-feira, 19 de maio de 2011

Presente de sogra


      "Tem pessoa que pira. Fica louquinha.
      Às vezes o que desencadeia isso, é a pressão do dia a dia. A pessoa não aguenta um monte de problemas que precisa enfrentar, fica muito nervosa, e aparece uma doença dos nervos, uma neurose.
      Quando isso acontece, sua vida e a das pessoas que a cercam viram um inferno.
      Isso é trágico.”   
     

      O quadro que ganhei da minha sogra de presente de casamento, como oferenda para fazer as pazes, já que ela nunca aprovou o namoro do seu filho comigo, achando que ele merecia mulher melhor, mais nova, mais bonita e simpática, e que ficava lá em cima do sofá da sala, virou minha obsessão!

      No começo do meu casamento o quadro ficava lá, na sala comportadinho, paradinho como deveria ser, sem incomodar ninguém, jeitosamente combinando com tudo, um bonito quadro, um bom presente, mas quando chegou o terceiro mês de meu enlance, ainda em pleno embalo de lua de mel, no ritmo de dá aqui, dá acolá, ainda no fogo de batizar com gozo cada canto da casa, aproveitando eu e meu marido sossegados porque ainda não havia filhos, que planejávamos que só viessem bem depois, porque sabíamos que quando esse bem depois chega-se, sexo rápido ou demorado só quando as crianças estivessem fora, na escola ou a casa de avós, a coisa travou:

      - Eu não conseguia mais transar, só pensando que o quadro na sala estava fora de esquadro, como um navio a naufragar!

      Meu marido ficou doido, achando que aquilo era desculpa minha, porque descobri que não gostava dele, e danado da vida, ameaçou até de procurar satisfação com mulher fora, alegando justa causa, dizendo que nem amando dava para aguentar tamanho vexamento, de ficar assim com o pinto duro, no teto, sem fêmea para lhe dar socorrimento, o coitado com as mãos se virava como podia, e como punheta batia!

      Eu entendia ele, entendia, via o seu sofrimento, mas eu não conseguia ajuda-lo, e por mais que soubesse que aquela coisa de desnível do quadro, fosse algo que só eu mesma percebesse, estava o quadro lá, na sala, torto entre nós, me incomodando, me deixando cismada, eu não relaxava e aí, a buceta se fechava!

      - Tomei remédio, calmante para os nervos, não funcionou, não deu pra dar!

      Meu marido agoniado quis livrar-se do quadro, queimá-lo, disse que devia ter encosto ruim em cima dele, mandinga de algum amor rejeitado, querendo acabar com nosso casamento, mandou até benzê-lo, foi arruda, sal grosso e reza forte nele, e nada, revoltado, meu marido se perguntava:

      - Que diacho é isto, que pra ela esse quadro não se apruma?

      Em pouco tempo já não era mais só transar que eu não conseguia, eu nem mais direito dormia, só a atinando a melhor forma do quadro consertar, e quando meu marido chegava do serviço, na hora do jantar, o quadro era o meu único assunto, dele não parava de reclamar, dizendo que ele não poderia ficar assim, desalinhado, teimoso, como se risse de nós, e meu marido insistia, pedindo que eu me livra-se daquele traste, que compra-se outro melhor e a meu gosto, mais caro que fosse, que ele pagava parcelado, eu dizia que não, que de jeito algum aceitava a troca, alegando descaso com o presente por sua mãe dado, por fim, cansado, meu marido deu-me um intimato:

      - Ou o quadro ou eu!

      Naquela hora de impasse, de decidir o meu casamento, mesmo consciente que era loucura, de que um quadro não merecia tanto, confesso que fui fraca e burra, e me enganando com a desculpa de não desistir do barco que afunda, orgulhosa escolhi o quadro, e meu marido desolado, só balançou a cabeça e foi para o quarto, enquanto eu da soleira da porta, parada e muda, o via arrumar as roupas para ir embora, enquanto ele pensava alto e bravo:

      - Bem que minha mãe dizia essa mulher não me merecia!

      Agora que meu marido se foi, eu me entrego com calma ao oficio de ajustar o danado do quadro, tentando incansavelmente centralizá-lo, sem que nenhum centímetro sobre para cá ou para lá, até que fique horizontalmente equilibrado, em cima do sofá, onde tanto gostei de com meu marido transar!

      Presente de sogra, esse quadro tinha que ser um presente de sogra, pois ela nunca gostou de mim!


Kátia Pessoa – 17/12/2010




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