terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Dor televisada dói mais


"Eu compreendo a dor que se sente ao ver um animal mau tratado na TV, mas ela nunca poderia ser maior que a dor que se sente, ao saber que uma criança foi queimada viva."


      É. Eu tenho pena mesmo é do cachorro! É. É sim! É dele que tenho.

      O cachorro a gente viu na TV. Morreu pisado, chutado, judiado. A criança não! Ninguém mostrou ela lá, pegando fogo. Virando torrão. Não apareceu nem uma cinzinha. Uma carne chamuscada. Um osso. Não falou nada dela na televisão. Nem dá pra crê que existiu. De verdade.

      Por isso, tenho pena mesmo é do cachorro. Este eu vi. Todo mundo viu. Ele foi gravado. Filmado. Todo mundo conheceu. A cara dele. A fuça. A menina não! Era criança lá do mato. Da que a gente só ouve falar. Por cima. Por alto. Só quem viu ela foi parente. Vizinho. Ninguém mais. Nem foto tem! E índio é tudo igual. Só sei que anda pelado. Fica em tribo. Lá longe. Isolado. Índio eu só conheço de ouvir falar. De ver na TV. Cachorro não! Cachorro vejo todo dia. Conheço por nome até. Em casa são três. Os vizinhos também têm. Na rua há um monte. Sem dono. Vira lata.

      Devia falar da menina. Na televisão. Que nem falaram do cachorro. Que mostraram jogado. De um lado pro outro. Posto debaixo do balde. Agonizando na grama. Morto. Se mostrasse a menina. Queimada. Queimando. A gente fazia passeata. Pedia prisão pro resto da vida. De quem fez a maldade. Pôs o fogo. A gente fazia novena. Vigília. Acendia vela. Orava por ela. Quem sabe até a menina virasse santa. Fizesse milagre. Curasse doença.

      Olha, não é falta de religião. Nem de Deus no peito. Mas, se comover assim? De olhos encher d´água? Só vendo! Ou pela televisão sabendo! Que nem foi com o cachorro. Quando mataram o cachorro, todo mundo falou. Doutor. Delegado. Médico. Gente do povo. Tudo revoltado com a mulher. A da judiação. Coitado do cachorrinho! Um inocente.

      Agora, a menina lá longe. Onde ninguém conhece. Sem passar um nada. Um nadinha na televisão. Pra gente vê o sofrimento. Dela se debatendo. Da mãe chorando. Arrancando os cabelos. As penas. Sem um repórter falando? O sentimento não é igual não! Né não! Por isso digo:

      É. Eu tenho pena mesmo é do cachorro! É. É sim! É dele que tenho.


Kátia Pessoa – 10/01/2012



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