sábado, 26 de novembro de 2011

Trabalho alternativo


      A situação econômica ruim, faz muitas pessoas honestas rolarem ladeira abaixo...    


    Numa segunda-feira, 00:30 h aproximadamente, entra em um ônibus que saiu há mais de 50 min do Terminal Bandeira, localizado no centro da cidade de São Paulo e tem como destino o Terminal Varginha, localizado em um bairro que fica no extremo sul da periferia da cidade, lugar este onde "Judas perdeu as meias", porque "as botas" ele perdeu quilômetros antes, um vendedor ambulante de doces que tenta passar suas mercadorias para trabalhadores e estudantes apáticos por cansaço, que não lhe dão nem um pouco de atenção:

      "Eu podia estar roubando, matando, usando droga, me prostituindo...

      - Olhem para mim, seus filhos da puta!

      Vou começar de novo:

      Eu podia estar agora pondo um três oitão na testa de algum infeliz, pra levar sua carteira e atirar, se ele tivesse pouco ou nada pra me dar. Eu podia estar agora cheirando cola, bebendo pinga, pra esquecer a desgraça de vida fodida que tenho. Eu podia estar agora de bunda de fora, dando o cú pra algum tarado, pra ganhar uns trocados...

      - Olhem pra mim, seus filhos da puta! Olhem aqui, dentro dos meus olhos!

      Agora mesmo eu podia roubar o cobrador, depois vocês. Tocar o terror dentro deste busão. Roubar relógio, carteira, bolsa, joia, tênis de marca, até roupa. Deixar gente nuínha ou trocar suas roupas com as minhas. Mas não! Não tô fazendo nada de errado! Tô aqui honestamente vendendo uns doces. Um chocolate, uma bala, um chiclete pra quem queira...

      - Olhem na minha cara, seus filhos da puta! Não veem que tô aqui me humilhando?

      Vocês acham que escolhi isto pra mim? Estar aqui a esta hora da madrugada ainda trabalhando? Tenho mulher e criança pequena em casa. Preciso levar o sustento. O dinheiro do leite, do arroz e do feijão. Aluguel. Carne, se der...

      - Olhem pra mim, seus filhos da puta! Olhem pra mim!

      Quer comprar uma bala, moça? Adoça a boca! E ajuda um pai de família. Desempregado. Quer levar um chiclete, rapaz? Pra passar o seu tempo. E me dá esperança de que as coisas vão melhorar. Um chocolate, senhor? Pra matar a sua fome. E a de minha familia...

      Porcaria! Eu não tô vendendo nada nesta merda de ônibus. Ninguém abre a mão pra comprar nada. Não vêm que tô mais fodido do que eles... Eu não posso voltar pra casa sem nada. De mãos vazias. Não posso!

      Sabe de uma coisa? Eu vou guardar todos esses doces e ganhar dinheiro de outra forma. Vou radicalizar, pra vê se essa gente se toca. Um, dois, três, começando:

      Senhores, por favor, uma esmolinha pelo amor de Deus!"



Kátia Pessoa – 25/11/2011 




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