sábado, 2 de junho de 2012

Leticia






      "Nenhuma mulher deve ter por obrigação casar e ter filhos."

      A Leticia não queria compromisso sério. Ela disse não querer se sentir propriedade de ninguém. E que não tinha vocação para casamento. Ser esposa, mãe. E disse também que detestava serviço de casa. O que queria mesmo era estudar. Virar doutora. Ter dinheiro e independência. Falou que necessitava de espaço, privacidade. Me veio até com um papo de termos um relacionamento aberto. Pode? Osso duro de roer essa mulher! 

      A Leticia já teve um monte de namorados. Eu vi todos. Observava de longe cada rapaz que ela trazia para a família conhecer. Moramos na mesma rua. Na mesma casa desde que nascemos. Crescemos juntos. Brincamos juntos. Estudamos na mesma escola.

      A Leticia ficou 5 anos com o último namorado. E casamento nada. De novo. Nem noivar ela noivou. Nem com ele nem com nenhum outro. Ela nunca quis noivar. Pular direto para o casamento nem pensar. Quando eles insistiam ela os largava. E logo arranjava outro. A família dela não se conformava. Brigava. A Leticia era desmiolada. Mas apesar disto sempre gostei dela.

      A Leticia ficou surpresa no dia que a paquerei. Já tínhamos mais de trinta anos. Ela realmente não esperava isso de mim. Na primeira vez que saímos juntos a pedi em namoro. Na segunda vez em casamento. Já era tempo de Leticia casar. Ela já estava até meio velhinha. Daqui a pouco até passada. Não poderia mais ser mãe.
      A Leticia disse que casar não. Muito menos assim de cara. Disse que me achava um charme. Que eu faria qualquer mulher feliz. Mas casar ela não casava. Falou para darmos tempo ao tempo. Quem sabe se com o passar dos anos as coisas mudassem. E ela comigo casasse. Eu aceitei. Mas comecei a arquitetar um jeito para dobrá-la. Fazer o casamento acontecer. O mais rápido possível. 

      A Leticia não tomava anticoncepcional. Eles a deixavam muito mal. Ela evitava filho só com camisinha. Era por conta disso que eu ia me dar bem. Eu a engravidaria. E de barriga ela diria sim. 

      A Leticia nem imaginava que era de proposito. Achava que era só acidente. Coisa que acontece. Quando ela estava comigo as camisinhas estourarem. Vazarem. Até mesmo saírem de meu membro. Ela ficava preocupada. Mas me perdoava. 

      A Leticia para evitar transtornos passou a colocar as camisinhas. Direitinho. Tive que mudar de tática. Comecei a furar com agulha as camisinhas que carregava. Quando elas ainda estavam na embalagem. Furo tão discreto que Leticia não percebia. Funcionou. Em três meses Leticia estava grávida. E desesperada.

      A Leticia mesmo assim não queria casar. Pensava em criar a criança sozinha. Com a família ajudando. E comigo só indo visitar a criança. Pagando pensão. A família não aceitou ajudar a cuidar. Disse: “Quem pariu Mateus que o balance!” Que arranjasse outro lugar para morar. Que casasse com o pai do menino. 

      A Leticia fez muitas contas. De salário com e sem hora extra. Do valor do aluguel para pagar. Da conta de água, luz, mercado. Roupa e fralda. Comparava uma conta com outra e não batia. Acrescentava o valor da minha pensão e mesmo assim não dava. Sempre faltava dinheiro. Teria que parar de estudar. 

      A Leticia se viu acuada. Passaria necessidades ainda gravida. Quando a criança nascesse mais ainda. Leticia até chorou. Amaldiçoou ser mulher. E o filho que carregava na barriga. Falou para mim até em tirá-lo. Eu não concordei. E prometi denunciá-la a policia se o fizesse. Colocá-la na cadeia. E insisti de novo no casamento. Por fim ela aceitou casar. Mas só por não encontrar outra saída. 

      A Leticia não casou feliz. Eu sei. Não estava nem um pouco contente com o rumo que sua vida tomou. Eu sei. E quando alguém falava que enfim tomara juízo. Que ser esposa e mãe era o destino da mulher. Leticia dava um sorriso triste. Amarelo. Dado sem gosto. Só por consideração. Ou para cortar assunto.

      A Leticia não ficou alegre quando nosso filho nasceu. Disseram que era depressão pós-parto. Coisa de mulher-mãe. Que com o tempo passaria. E passou. Depois de alguns meses Leticia voltou a sorrir de novo. Mesmo que amarelo. 

      Luciano, nosso filho, está com dois anos e meio. E Leticia está grávida de novo. Desta vez por legítimo acidente. Leticia anda meio doente. Pressão alta. Anêmica. Depressiva. Gravidez de risco. O psiquiatra acha que ela está assim porque rejeita o novo filho. Ele conversa com ela. Dá conselho e remédio. Não tem adiantado. Leticia parece um zumbi. 

      A Leticia nasceu com defeito. Não serve para ser esposa nem mãe. Mas ela é minha mulher. Minha! E como jurei na igreja. Na frente do padre. Na frente de todos. Não a abandonarei. Ficarei com ela até ela morrer. 


Kátia Pessoa – 02/06/2012




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